sexta-feira, 21 de junho de 2013

Furto

Durmo na certeza dos olhos que ainda tenho.
Durmo na certeza do pulmão que ainda respira.
Durmo com as pernas lisas e a cara bem lavada,
só com a certeza do corpo são que me restou.

O meu espírito já é um nada de si mesmo.

De resto: nada sou.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Outros mapas

Mulher das cartas da terra,
escreves, porventura, também cartas pelas mentes?
Onde desenhas teus mapas
de ar e de águas,
teus mapas astrais?
Onde escreves tuas cartas,
teus anos e datas, teus portos, teu cais?

Mulher da rocha luzidia,
me digas com o sabor de teus sons noturnais
onde estás,
onde estás para que eu possa vê-la a todo sempre,
sem cessar...

Geógrafa das planícies não concebidas,
dos vales e montes e morros que ainda germinam no âmago da Terra!
Me digas, senhora das carnes da serra,
onde tu te enlevas e te cobres de pluma...

Ó mulher das contas da Terra,
que escreve sobre o mundo palpável,
me digas onde vai o teu coração!
Me digas onde estão os pés que lhe andam...
Me digas se lhes desandam
ou se o descompasso do compasso é preciso!

Me digas,
e digas mais do que isto,
senhora dos temores e sumiços,
senhora da geologia dos perdidos:

Me digas o que é isso que eu sinto!
Me digas o que é isto que eu sinto!


Para Isabô

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Dor de não sentir dor



Nada sinto.
É doloroso não sentir nada
e ao mesmo tempo não é.
Nada sinto
e é como se eu sentisse tudo o que está no mundo,
porque muito creio que quando se é alegria não se pode ver-se alegre;
nem que quando se é tristeza triste se pode ver-se.

Nada sinto e é como se tudo eu sentisse.
Nada mais me comove, porque já me estou comovido.
Nada mais me alegra ou me entristece,
porque já sou a parte da alegria e da tristeza que me cabe.

Como e durmo. Só.
E a ninguém amo.
Porque amo já a todos.

domingo, 9 de junho de 2013

Carpe diem

Privar-se do prazer momentâneo em vista da possibilidade de não sofrer futuramente suas consequências (e assim poder gozar de outros prazeres) é uma contradição por si só. Privar-se do prazer momentâneo é privar-se sempre, postergando para o Nunca, para o Jamais, para o Nada, aquilo que lhe daria a satisfação por cada ato.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Luzidia

Fiz este pequeno poema
O sentimento palavreado
E pus aqui no cantinho, guardado,
a fim de preservar o que ainda está por vir.

Poema-anunciação
Eterno-retorno do que não foi e já é.

Quem nos dirá daquilo que o profeta não contou?

Lei de Poesia


Fiz a Lei dos Mártires Prisioneiros
e a pus no celeiro dos Grandes Guardiões.
Descansei e pude ver no horizonte, que não existe,
a faísca bela e crepitante da fogueira de São João.
Do outro lado havia o Escuro e suas cores
que são mais negras que a própria Negritude;
do outro lado mesmo lado a escuridão se apossou de mim
- eu pude ver o clarão do que não pude.

Há no mundo aquilo que não pode ser dito.
E tudo isto é muito mais do que se diz.
Quando a poesia acorda de seu sono vagabundo e vem à Terra
é pra acabar de uma só vez com o desdito.

Eu fiz a Lei dos meus próprios versos
e quem está fora apenas está fora de minha lei.
Fiz uma Lei que descerra o que cerra a porta da prosa
e desbrava a mata orgânica do corpo de todos os homens!

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Saudade

I. Eu não sei lidar com a saudade.
A falta das coisas que deixei pra trás como o resto de janta de um dia farto de comida me dói demais o peito. Há tanta travessia no mundo que talvez mais livre seja aquele que decide se prender a algo do que aquele que se abandona no devir. Sei lá, quem garante que estar preso não é também estar no devir das coisas presas?
Sinto saudade e dói.
Sinto saudade e bebo.
Dói e bebo. Mas sempre dói, e daí sempre bebo. Loucura!

Mas a saudade? fica. Não vai embora.



II. Sinto saudades de tua face branca, de teu olhos negros, de tua boca vermelha, de teus cabelos ondulados. Sinto falta de como isto se harmoniza tão bem em você.
Sinto falta do teu corpo vestido de mistérios e imaginação.
Falta do teu cheiro que nunca foi meu.
Sinto falta das coisas que não vivemos e que poderíamos ter vivido. Dos amigos em comum que poderíamos ter criado.
Sinto tanta falta que me dói o peito não ir almoçar em tua casa todo domingo, de não andarmos de mãos dadas pelas ruas da cidade...
Como dói, como dói a saudade das possibilidades perdidas, dos horizontes escurecidos, dos sonhos liquefeitos em lágrima.
Como dói sentir tua falta, Moça. 
Como dói.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A frieza do poeta

Há tanto frio em minha alma!
Que coisa bela!
Há aqueles que dizem só haver beleza na tristeza.
Acho que concordo.
Acho não, concordo definitivamente.

Só espero não ser oco jamais.
Jamais me faltar as palavras de dor,
as angústias da escrita.

Quero ser senhor de mim,
e me vejo tão fraco ao mesmo tempo...
Que coisa estranha! hahaha

Temo a morte e o morrer,
mas desejo como o namorado
que finge não querer o beijo de sua amada.

Que coisa. Tudo são coisas.
A morte é uma coisa. A vida é outra.
O que há entre estas duas coisas.. Ah! aí já é outra coisa
que não as coisas já ditas!

Há tanto frio em minha alma
que este era pra ser um poema de amor.
Mas foda-se.
Abrirei um acerveja. As coisas melhorarão.