segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Que eu beijei o mel na boca de uma mulher





Eu nunca beijei uma boca tão macia quanto a tua.
Toda a minha agressividade,
toda a minha dureza de bêbado louco se desfez.

Teu beijo foi a primeira vez,
foi a primeira vez que encontrei estrelas no céu da boca de alguém.
E eu sei do desdém e do descaso,
da paixão e do arraso de uma boca feminina
quando repousa na minha.

É a triste sina do menino-homem,
do homem-jovem poeta.
Mas se tua língua vem e me perde,
escolho sim esta vida, vida assim, menos reta.

Pois que não há de ser pior do que já foi.
Tu não hás de me pintar com cores mais doloridas
do que as que já me foram pintadas.

Estou me sentindo passarada.
Água pingada da chuva que corre ao encontro do mar.
E se a vida for mais tranquila sem a paixão submergida,
eu fujo contigo às turbulências da paixão do afogar!

Prosa triste

Desde quando me assumi como poeta eu não escrevo. Desde quando me assumi sendo aquilo que não me considero como e quanto tal eu travei. Deixei de ser poeta quando me afirmei poeta, quando supus ser poeta, quando supus ser o que não sou.
Os homens não são homens porque se consideram homens. Falta a esta coisa que somos nós a obscuridade própria da individualidade. É na construção perpétua que o Ser é gerado. E construções produzem fumaça.
Desde quando eu disse ao mundo: sou poeta, eu sou gauche! - minha escrita desandou, um mar de inércia isto me trouxe. O sonho está chegando ao fim, estou deixando de ser menino para me tornar rapaz.

E rapazes não escrevem poema.

sábado, 27 de outubro de 2012

As Marias de ninguém

Três Marias e um João.
Esse amor tão pervertido
de carne e sal e libido,
de paixão que é de espalhar...

O João e três Marias.
Ele quase não dá conta
do que as meninas aprontam
na cópula poligâmica...

O João e duas Marias,
uma prepara a comida,
as outras são a comida
do João neste momento...

O João e uma Maria,
a primeira lava a louça,
a segunda se faz moça no novo sangue que cospe.
A terceira lava a alma de João
com os seus fluidos...

O João sem as Marias.
Está dormindo, isto é certo.
E as três armam um plano esperto
para João alguém matar...

Três Marias sem João.
Hoje tem festa na casa.
Mais cedo fizeram o homem virar ave,
e chispou batendo asa.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A direção é do sonhar

Hoje eu quero dormir cedo.
Quero ter mais tempo pra sonhar.
Quando tudo se mostra mais fácil e vazio,
eu gosto de ir contra o rio e remar.

Quando a gente sonha por mais tempo
é menos tempo pra viver o que não importa.
E que seja sempre assim, monte de sonos,
que o dormir nesta via turbulenta é bônus
contra o engarrafamento crônico de pessoas mortas.

A gente gosta do caos, do pensamento.
A nós não importa o que é comum, o corriqueiro.
E enquanto queremos o volante de um carro,
sabemos do quanto vocês gostam da vida de passageiro.

sábado, 20 de outubro de 2012

Musicata de frases curtas

Quando se faz dia,
se faz noite e nada sai.
Quando há amor, orgia e sexo
e tudo que distrai.
Quando há desejo
e o lampejo da libido,
é que me descubro baixo,
um homem cheio dos perigos.

Sai família, sai mulher, sai amantes e amigos.
Nada fica, e nada entra, e nada vem e desespera.
Quando o homem se entrega desta forma
é a solidão da cama e a lama que o espera.

A arte vira artesanato quando se pensa no outro.
A vida do homem moderno é cheia de conexões.
Estar só é peça-chave da liberdade,
estar só é estar cheio de suas convicções.

sábado, 13 de outubro de 2012

Encantamento

Algumas mulheres me fazem querer amá-las.
São doces, de olhos claros ou escuros. Cabelo curto ou comprido.
Tenho vontade de querê-las. Todas morando em mim.

Algumas mulheres têm o poder de despertar em mim
meus sentimentos mais obscuros.
É estranho e bom olhar para todas estas...

É um querer amar infundado
(como se o amor fosse passível de explicação!)
que me toma o peito em melhores estados,
e me faz escrever sem minha companheira Angústia.

Santas mulheres, demônios encarnados!
Grande confusão me faz estar agraciado
e me dá por tanto tempo o tesão da inspiração!

Santas mulheres, santas e intocáveis!
Que me toquem ao menos por uma vez é o que quero!
Seja pelo anoitecer, ou amanhã - eu não me importo.
Se me prometerem chegar bem tarde, também espero!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Tanto mar

Muito mar e muito peixe,
mas nenhum hábil pescador...
Há de se convir que numa paixão, ao abrir-se o fecho,
encontra-se muito menos alegria do que dor.

E muito embora se apresente muita água em bravura,
a falta de amor aparente
aumenta da água a textura.

E causa o afogamento dos peixes
e a poluição da terra inundada...
Que fazer se prefiro a clausura da Solidão
a torpe paixão inventada?

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Considerações antes do funeral - Trechos

Trechos do futuro livro de Guilherme Gonçalves de Brito

1) "É difícil não ceder ás tentações que lhe aparecessem, eu sei. Fica uma angústia pelo que poderia vir em consequência da aceitação... Mas eu também sei do quanto você é inconstante, meu camarada. E ninguém merece o sofrimento de ser feito objeto de prazer momentâneo para, em seguida, ser cuspido da mesma boca que o beijava.

2) "Chega, seu tolo! Que história de amor o quê! Que romance, que paixão! Chega de poesia ridícula, de música de velho, de boemia, de uísque! Chega, você é oco como todos nós! Hahahahaha, tolo, tolo, tolo! Acha mesmo que teu peito palpita diferente só porque você curte a boa música burguesa? Deixa de ser iludido! O amor é uma farsa! Os homens comem os homens, animais que somos. E nada mais. Você é mais uma refeição. E nada mais. Nada mais!"

3) "Essa coisa de se achar e se perder é sempre muito complicado. Começo a achar que vocês têm razão. Talvez seja parte do ser oco achar-se algo."

4) "Não posso amar uma única pessoa. Não posso, não consigo. A obrigatoriedade da monogamia me assusta. Eu gosto é da expansão, da coisa compartilhada. Não estou fazendo apologia à orgia, longe disso. O que eu queria na minha vida era poder deitar com todas as pessoas que amo, fazê-las transbordar da minha paixão. Só isso..."

5) ‎"Ter como caminho o descaminho só torna as coisas mais complicadas, meu filho. Saibas que só serás feliz quando tua cabeça soltar menos fumaça. Pensar e só pensar torna tudo mais difícil. Sim, eu sei o quanto você acha bonito essa coisa do sofrer pela Verdade, mesmo tendo a sua como a não-crença em uma. Sinta e não tenha a necessidade de racionalizar o que sentes. Aí tu sentirás o mundo solto dos teus pés."

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Como um rio que não desagua

Seriam necessárias muitas margens
para eu despejar todos os rios que se encerram em mim.
Tenho me sentido uma grande bacia,
que tem nos olhos o furo pequenino
por onde escorre o mínimo da água-lágrima possível...

Preciso me rebentar,
explodir, desaguar.
Preciso de rasgos, das desilusões dos encantamentos.
A água de minha alma está parada.
Lamacenta, nada produz.
E o meu corpo-limite desfila
na fila mortal dos homens comuns...

Que meu rio encontre novos rios,
é o que eu mais quero.
Agora eu tenho estado perdido.
Mas por algum motivo
creio que isto seja me achar...

Preciso ser qual cachoeira, qual catarata.
Porque quando não se desagua, seca-se.
Quando não se desmonta em correntezas maiores, esquece-se,
e é a estiagem da alma quem impera.

Eu preciso é da volúpia da saliva,
das águas quentes da carícia,
das turbulências dionisíacas,
da juba grande da Quimera.

Oh, deus das águas,
dá-me logo as tuas margens...
Dá-me as roupas que tu fazes,
que não me cabem mais as carnes da Terra.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Demonidade




A minha alma é impestada de demônios.
Há em cada quarto do meu ser uma confusão infinita de demonidades.
São muitos os gritos. Tantos que nem os ouço.
O que sinto, realmente, é o roçar dos tridentes no meu corpo.

Os demônios fazem arruaça.
Fazem festa, tacam fogo,
sujam e cospem nos meus campos de tranquilidade.

Os demônios me roubam a fé,
me tiram do amor a credulidade.
E não há em mim um único diabinho bom,
um que se coloque no lugar do poeta-palco das encenações infernais.

Mas veja! ser moradia de demônios me é tão belo,
tão grande é a inconstância provocada,
que querer-me bem é tentativa equivocada
- Pois que prefiro estar é nos confins do inferno!