sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Palavra Viva

 
Não só lhe quero em meus versos.
Não só lhe quero derramada em minhas páginas.
Quero-lhe mais, e ainda mais!,
na folha branca do meu lençol pungente...

Quero-lhe as linhas onde escrever a nossa história,
a tinta negra da caneta que excita. 
Quero-lhe caderno, livro, rasgo, síncope desvairada,
oceano de prazeres que o meu corpo incita.

Não só lhe quero em meu versos.
Tampouco solidez de palavras frias e inexpressíveis.
Quero-lhe Poesia perfurante,
decassílabos desrespeitados, gosto rascante,
corpo sibiloso e torpor temível...


Para Luisa Sant'Anna

Cidade-clausura

Não aguento esta distância, esse abismo.
Esta cidade transvestiu-se em mortalha.
Fica contida a minha paixão infinita,
está cercada por muros. Não espalha.

Estou de um lado, você de outro.
Tu te banhas só do amor que vaza dos furos
que eu cavo com minhas unhas de esboço
e com o pensamento em nosso futuro.

Eu desejo, meu amor, tão grandemente,
de que com todo o meu amor te vais banhar!
Quero-te ser bem mais que a terra que firma teus pés...
Quero-te ser a inconstância das águas do mar!


Para Luisa Sant'Anna

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Uma palavra

Ao amar-te só, na finitude de nós dois,
quem contará, depois, das tempestades da doce liberdade?
Preciso de ti mas não te posso um só momento...
Pois que nos deixaremos ser como o vento no afundar de nossas paixões...

Eu prefiro amar-te assim, bem amiúde,
tendo em cada cabeça tua repousada em meu ombro
o orgasmo inatingível que o meu corpo nem espera.
Prefiro-te assim, expansão e concretude
nas coisas belas que eu quis e que eu não pude,
no amor que não se finda, que desfaz e regenera...


Para Luisa
Para Morena do Jongo
Para Ana
Para Z.S.
Para I.L.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Vodca, poesia e amor todo dia





Vem aqui pra casa.
Nós dois precisamos morar juntos.
Precisamos nos aquecer da vida,
precisamos nos esquivar do mundo.

Vem aqui pro meu peito
que precisamos morar no mesmo corpo.
Precisamos da veste da paixão
pra contrastar nosso visual tão roto...

Vem, que te dou banho
e te faço a comida.
Te dou abrigo e acompanho pelos bares.
Te compro flores e caminho de madrugada.

Nós temos que nos perder juntos.

Vem aqui pro meu quarto.
Vem, que ouviremos nossas canções.
Vem que brindaremos com nossos corpos
o vinho quente de nossa amizade.

Vem, que te dou
sorrisos de amar e alegria.
Te dou o ópio de esquecer o passado.
Vem que te dou fantasia,
e o desmoronar de todos os lados...


Para Luisa Sant'Anna

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Luisa: Tempo agora

Ao poeta que madruga
antes da escura e trevosa alvorada,
o que o salva é a figura
tão doce e clara da mulher amada...

Hoje me faço e me desfaço em ti, Luisa.
E me és agora excitante disparate
com os teus castanhos cabelos soltos
e as mil línguas que tremulam na tua boca enternecida...

Tu me és, Luisa, Luisa querida,
a mão amiga com o cheiro da paixão!
O meu altar de belos sórdidos pecados,
o meu tempo agora de exaltar o sagrado,
o meu novo templo onde beber profanação...


Para L. Sant'Anna

domingo, 11 de novembro de 2012

Moça Branca VI - Garrafa de vodca



Você deve ter um amor.
Eu só tenho minha garrafa de vodca.
Você deve ter uma família
e eu só tenho meu cachorro Rex.
Você deve ter belas fotografias.
Eu só tenho um espelho quebrado no banheiro...

Você deve ter um grande amor,
que te ama.
E eu só tenho você.
E minha garrafa de vodca.


Para M.

sábado, 10 de novembro de 2012

Moça Branca IV - Regresso




Eu voltei como um deus,
por cima das belas nuvens.
Na condensação das águas que meus olhos choram.

Voltei 
porque achei que fosse cedo demais para ir.

Quero-te mais minha,
quero-te mais dona dos meus escritos e lamentos.

Pecado foi ousar querer esquecê-la!
Ainda recaio sobre tuas fotografias todos os dias.
Pecado é querer e não poder vê-la,
tecer sobre os dias somente agonias.

Estou de volta, Moça Branca.
E ao nosso amor cabe o sim ou o não se dar.
Cabe a ele o despertar da nova vida,
ou ao fogo ardente meu corpo ofertar...


Para M.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Preta do Jongo

Sei que preferirias o meu peito invocado
dançando contigo na roda negreira do nosso terreiro.
Sei que preferirias meu punho cerrado a combater
o açoite desumano do chicote dos brancos.
Sei que preferirias que eu fosse ketu, como tu,
em vez de torpe rapazola amedrontado.

Mas tua imponência me dá medo, minha preta.
E tuas saias de kizomba entorpecem-me a alma.
Quando tu danças com os deuses esse jongo,
e repartes para os homens o suor de um Orixá
- Oh, minha amiga preta, minha Preta do Jongo!
a vontade que tenho é de contigo dançar!

Preta do Jongo, preta de minha alma,
a poesia é a única dança que me acalma!

E eis aqui o teu poema, amiga minha!
Que Aruanda nos proteja de todos os males,
e que Olorum seja a terra que nos aninha!


Para Tainá Gamelheiro


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

É o que temos pra hoje

É o que temos pra hoje.
Amar e não sermos amados.
Querer o beijo de quem não podemos.

O que temos pra hoje é a angústia
de querer fugir e não poder.

É o que temos pra hoje.
Esta noite calorosa sem amor.
Esta fome grandiosa de paixão,
e nem uma mísera migalha para nos mitigar o desejo...

O que temos pra hoje, camarada,
é a cova funda da Solidão.
É o descompasso em nosso peito aberto,
é a Treva, o Obscuro, a Ilusão.

É o que temos pra hoje.
E talvez pra amanhã.
E talvez pra depois, e depois, e depois.

É o que temos pro ad aeternum:
essa coisa de estar bem
só se estivermos a dois.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Beijo português




Teu beijo em meu pescoço
foi o adeus inusitado.
Pelas ruas cá do Porto
escuto o fúnebre fado...

Que conta, bem meu, a nossa história,
nosso amor sem fim.
Fado maldito, gaita maldita,
perfumados pelos campos de alecrim...

Ó Portugal gigante,
ó amor grande que meu coração matou!
Tua boca vermelha
é fruto primaveresco que o inverno alegrou!

Te canto meu fado
com triste pesar...
Teu peito alado
deixou-me a chorar.

A ti eu amava,
ó branca, inda amo!
Teu corpo molhado
é hoje meu pranto...


Para M.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Moça Branca II

Que nos beijemos precocemente,
pois que a morte ali me espera!
Quero teu corpo e a tua mente
cravada em mim pelo correr das eras!

E teus cabelos, e tuas mãos
e tuas pernas junto às minhas!
Que afago, que combustão
neste emaranhado com que me aninhas!

Moça branca, moça branca!
Por que só agora tu me surgiste,
a dilacerar meu coração?
Por que somente hoje tu me sucumbiste
às profanadas chamas da vil danação?

Temo pelos dias
que, ligeiros, se avizinham...
Os meus vintes anos chegam
e a Morte senta à escrivaninha
como quem diz: daqui eu não saio!

E não há na vida ensaio,
a menos que se encene na morte!
Quero-te mais e agora!
Quero-te triunfo amável da sorte!


Para M.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Moça Branca

Então você surgiu na minha frente,
transeunte desse espaço nebuloso...
E fez surgir em mim tão de repente
a angústia de um deleite pavoroso...

Sabor amargo da insuficiência,
ardor no peito desalmado...
Meu coração é gaiola
pras grandes asas do teu cavalo alado.

Eu sei do quão estranho eu sou.
E do quão mais requisitado o teu amor é...
Mas como seria belo eu ser teu homem
e de volúpias poéticas te fazer minha mulher!

Oh branca da boca vermelha!
Oh lua de um céu tão impossível!
Deixa-me navegar por entre as ondas
deste teu mar de mel imprevisível!

Oh menina moça!
Oh pássaro reluzente a voar contente na amplidão!
Ceifa-me a dor de ser poeta não-amado,
interrompe no mundo a sina do poeta abandonado,
e leva-me, correndo, aos braços, pro latifúndio livre do teu coração!


Para M.

O amor só entra por orifícios

Não se ama uma só vez
porque nós não somos um.
Somos amálgama da tez
de todos os corpúsculos do mundo...

Não se pode amar só uma vez,
nem somente só a um ser predestinado.
Pois que tão pouco há na viuvez
da pureza do amor todo de uma vez
quanto da sanidade em se corroer enlutado.

Não há grande amor, ou amor pequeno.
O amor visto no mundo é fruto de nossa aparência.
Não se espera do são uma cólera,
nem do profanado cão a decência...

E quais perfurados cubos
são os homens desta terra.
O quanto de amor que vos é devotado
é medido pelo quanto o seu furo revelado reverbera.

É na grandiosidade ou pequenez do furo
a medida da grande ou pequena paixão.
Quanto mais puro e santo o beato,
menor se avista a sua profanação...

Não há pequeno furo na parede
que faça muita água em si passar.
Se há um rio de paixão que aqui se passa,
o amor é mais! - é turbilhão de ondas grandes feito o mar.

Se te insinuas mais a uns do que a outros,
é que para aqueles os teus furos mais se abriram...
Sentindo o cheiro do amor, que é doce e quente,
os furos-boca intransigentes ao desejo sucumbiram...

Todavia não te culpes, não te culpes,
pelo furo pequenino,
que o amor quando menino
é também um bravo amor.
Bastar-lhe-á o primeiro cheiro,
o primeiro gosto.
Bastar-lhe-á um belo rosto
para abrir-se-lhe em furor!

E muito invejosos são
os homens sem orifícios.
E neles não há paixão,
delírio, flerte, ilusão.
São escravos eternos do sacrifício!

E muito furados são
os homens-cubos-loucos da minha casa.
Mas amar o mundo, ser campo fecundo,
é a ternura certa que nos liberta e nos compraza!