quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Canto aos que me cantam - Iemanjá




Ó, minha Mãe,
derrama-me tuas águas!
Ó, minha Mãe, 
minha Mãe d'Água,
afoga-me com teu mar revoltoso,
afoga-me contigo, que tu és o próprio mar!

Odoyá, Orixá-água,
teus colares refletem a luz pro meu caminho!
Janaína, Orixá-vida,
sou teu filho pescador e
sei que não estou sozinho!

Dia dois é que eu te canto
vestido de azul e branco
com turbante na cabeça.
Dia dois sinto a firmeza
do meu nascimento nas águas de prata.

Minha Mãe, levo-te flores
e barquinhos de amores
carregados de perfume!
Te pedindo, ó Mãe Querida, 
que tomes conta da minha vida,
que resguarde a minha casa,
o meu sobrado pequenino.

Axé, minha Mãe, é o que peço!
E rezo, e trabalho, e sofro!
Ainda tenho o alvoroço 
das confusões por ser criança...
Dá-me a tua esperança ante a causa já perdida!
Dá-me o sopro que se cala, dá-me a voz que já não fala,
que tu és a rocha mais firme que me ampara nesta vida!

domingo, 27 de janeiro de 2013

Espero que você me queira

Você não consegue me fazer de bobo,
eu já conheço a artimanha desse teu postergar.
Deixa disso, e vem logo.
Entregue-se. Se entregue as tempestades...

Não vou cansar de te esperar,
você pode fingir não me querer 
o quanto quiser.
Eu sei o quanto você me quer.
E sei, mais ainda, o quanto eu te quero.

Demore, que eu espero
apesar de toda minha pressa em querer
novamente o teu abraço e o teu sorriso.

Demore, que eu te quero
mesmo com esse gostinho de demora.
Demore, mas sem demora,
que eu te quero pronta aqui, 
pronta pra nossa próxima vez.

Você não consegue me fazer de bobo.
Eu já sei o quanto você quer me chamar de homem,
e ouvir eu te chamando de mulher.
Demore, mas venha.
Mas, por favor, venha assim que puder...


Para a13.

À senhora dos cabelos de leão

Quero novamente o teu beijo!
O meu desejo de tocá-la 
se aninha em minh'alma
de tal forma que me acalma 
e me alucina por inteiro!

Ah, meu amor que não vejo!
Quero ter-te mais senhora dos meus pensamentos,
quero ter o momento
de pôr minhas mãos no delinear do teu corpo!
E tudo me será tão pouco
ante a grandeza dos teus cabelos que são qual chama!

Ó vem, meu desejo,
me dá teu ensejo, me estilhaça na cama!
Sou tua ternura amiga,
a paz no meio das tuas intrigas, 
sou quem te ama, e ama, e ama!


Para a13.



Parto para chegar

Me vou embora,
que não me cabem mais
as algemas de não ser-te.
Já não me detenho em buscá-la em outros cantos
que não aqueles de minha casa e nosso corpo.

Estou cansado dos louvores sinuosos
que eu canto ao teu corpo e ao teu peito.
Não sou o que te perde e o que te acha,
e por isso me vou,
vou-me, mesmo que eu me desfaça contrafeito.


O amor, em mim, tem duas faces.
A que se foi e a que aqui está, e permanece.
Tu me foste um sonho bom que hoje desperta.
E hoje só tenho a parte que me anoitece.

Se vou tecendo retalhos
da poesia que, sucinta, escrevo,
é que te quero sempre, ainda que pouco,
balbuciando em minhas entranhas o que ainda não me dizes.

Mulher, se hoje somos infelizes,
o tardar da dor no peito é somente culpa tua.
Estou aqui, à tua espera,
na paixão que galanteia e reverbera
a delícia de nossas almas nuas.


Para a13.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Leve dois e pague um

Te fiz um poema, meu bem.
Mas eu nem sei se tu gostas de poesia.
Na verdade,
do que mais gostas, meu bem, 
além de brincar com meus desejos?
Do que tu gostas mais em mim 
do que de minha boca e só minha boca?

Te queria tanto, meu bem.
E ainda quero. Ainda hoje, se possível.

Te fiz um poema. Mas eu nem sei se gostas mesmo de poesia.
Mas quem não gosta de poesia com um beijo como o teu?
Não sei, meu bem. Não sei.

Só sei que te fiz um poema.
E é este aqui, pequenino.

E mesmo que tu não me queiras,
aceita meu poema.
Queira meu poema.

Pelo menos assim me sentirei mais teu,
mais na tua casa, no teu quarto, na tua gaveta,
na tua caixa de lembranças..

Mesmo que não me queiras, meu bem, queiras tu minha poesia.
Pois que levando-a me levarás por completo,
e por brinde, 
e em dobro.
Tipo no leve dois e pague um.


Para a13.

Migalhinha

Estampo agora em meu rosto um sorriso de mentira.
Já foi-se o tempo em que eu dizia só verdades.
Hoje ninguém precisa saber do meu eu,
nem eu.

Deixo o tenebroso às sombras do meu intracorpo.
A tenda do meu circo é colorida por guirlandas,
mas na arena do meu peito é o estrume que opaca.

Qual o problema de ser belo e feio ao mesmo tempo?
Não há motivos para sorrir.

O homem que sorri é o mais são!
E o poeta não é são! é a-são! é não! negação!
O homem que sorri, sorri por saber mais da tristeza,
e por ela ter amizade complacente.

Eu sou poeta, verme-indizente.
E choro minhas verdades na brancura das desverdades.
Clamo por meus poemas sorrindo o estoque que tenho.
E não me abate o meu eu, que já não é.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Sejamos amantes

Deixe-me ser o seu amante.
Por favor, não tenha medo,
que eu sei bem guardar segredo,
e sei ser bem mais que um amigo.

Por favor, não faz isso comigo.
Não me deixe esperando,
não me deixe amargurando
só o cheiro do teu corpo vestido.

Eu quero correr o perigo
de ser pego em tuas pernas.
Eu quero tomar o teu tempo
que é sem amor e sem cama...

Eu quero, te quero, me queira, me chama!
Chama o teu velho amigo,
não custa correr o perigo
que vai incendiar nosso corpo...

Vamos morar um no outro,
e fazer um do outro abrigo.
Eu cansei de ser só seu amigo,
eu cansei de ser só um instante...

Venha morar no meu quarto,
me faz outro ser, delirante,
que desse marasmo estou farto...
Sejamos amigos, mas sejamos amantes!


Para Z.S.

sábado, 12 de janeiro de 2013

A morna das horas



Manhã tão arredia,
teu espanto é bem mais meu.
Figuras, somente, ao mundo
o que de mim tanto tu fazes.

Quando chegas e te aprumas,
e clareias com belo Sol ou brumas
as noites em que flutuo perdido,
sinto minha alma elevar-se
procurando algum chamado
que não ouço.

És nebulosa e céu limpo,
azul e rosa quando derramas em teu leito
o sangue inocente que morreu na noite.
E coronária do coração que aperta,
manhã doce, tu libertas no homem
o desejo de ser livre.

Manhã tão arredia,
tu não és noite, nem dia.
És solidão e ventura,
és cinza e negra, e alvura.

Compasso desregular das horas,
eu te espero logo além da curva que não fazes.
Te espero e guardo com a vontade
de ser tão morno quanto tu: sem início e fim, só meio.


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Bilhete pro deus

Deus,
a gente só quer ser feliz.
a gente só quer ter um amor
e crianças correndo pela casa com a barriga sempre cheia.

Deus,
a gente não gosta de muita chuva sem uma paixão,
nem de muito Sol sem uma piscina.
a gente só quer um pouco de tranquilidade.

Sim,
a gente só um pouco de felicidade.

Amargura

Amargo é o não poder querer-te,
e ver no peito do outro o seio que quero comigo.
Amargo é não ter em minha boca o flerte
por amares cegamente o amor de meu grande amigo!

Quisera eu! ter a alma dos anjos e não amar,
sequer, a alma de uma criatura humana!
Mas minh'alma é dos homens poetas: fraca e triste,
que recobre-se no que insiste em vê-la nua,

e em minha cama!

Para Z.S.


domingo, 6 de janeiro de 2013

Folha de Jurema




Meu pai, fui almoçar.
Fui-me embora pra fazenda,
fui pro mato pra caçar.
Caçar peixe no riacho, tatu na beira do rio.
Oh, meu pai, mato faz frio,
mas caçador tem que caçar.

Fui pro mato, meu paizinho,
fui pro mato pra caçar.
Saco vazio não para em pé,
meu terreiro está cheio,
e eu preciso curimbar.

Fui escravo de homem branco.
Meu pai, dá-me acalanto,
como eu sofri em pranto
por não saber me embrancar!

Hoje sou cavalo de terreiro,
e tenho o Caboclo Flecheiro,
caboclo de raça, guerreiro, na minha banda a resguardar!
Eu sou é filho de Angola, de Ketu, Jeje e Nagô,
sou filho de todo amor, sou filho de Oxalá!

Eu sou cria do ventre
de um navio negreiro!
Preto-velho do terreiro, cabeça baixa no gongá..
Sou benzido com as ervas da Jurema,
na mata verde e serena,
canto pro Juremá!

Choro fajuto

Dias cinzentos de Sol
são tão tristes...
O amor não resiste
nem a uma manhã ensolarada.

É necessário que se sofra,
que se arranhe por dentro,
e se morda.

Meus olhos lacrimejam
mesmo num dia de Sol.
Eu julgo ser a mesma tristeza
dos dias frios e opacos.
Mas não. Deve ser o ventilador no meu olho.

Feliz aniversário


Feliz aniversário, meu amor.
Há três anos eu te amo.
Há três anos eu escondo o quanto te amo.

Sei que não haverá bolo nem bexigas coloridas.
Não temos convidados, nem o parabéns.
Esse aniversário é só teu em mim.
Nem tu o sabes!
Mas feliz aniversário, meu amor...

Feliz aniversário, meu amor.
Há três anos eu te amo.
Faz três anos que tu nasceste para mim.
E que eu morri pro resto de tudo.

Feliz aniversário, amor.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Moça Branca VIII - Canto só

Como eu queria que você viesse!
Como eu queria tê-la em meus braços!
Já não me basta mais o sonho,
nem os delírios do poeta nefasto!

Moça Branca, mulher de mim.
Tu me levaste o que eu tinha de melhor...
E a poesia descabida é ventura,
cobertor da dor de estar sempre só!

Doce volúpia em minha boca.
Eu não lhe sinto nem lhe posso sentir, eu sei!
Estou na Lei dos escreventes fracos do amor.
A Lei mais bela dos parcos beberrões!

Canto só e tristonho,
louco de pedra a desejar quem já amei!
Impossível é tirar do peito as belas canduras,
as belas alvuras com as quais Afrodite brindei!

Choro eu, cá no porão dos aflitos.
Mas não me importo em estar sempre só e são.
Que minha loucura é pelas saias que giram
e pela boca vermelha a me desvairar em prontidão.

À Moça Branca rendo meus prantos
com a saudade dos seios que nunca tive;
com a ternura do amante incendioso
e do libidinoso que não resiste...


Para M.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Caminhão de mudanças

É do mover-se natural estar só, e parado.
Nada muda aos que se movem.
Anos, meses e dias iguais.

Movo-me. Não mudo.
O que eu falo é a vontade de escrever o que não escrevo.
Deram-me, no parto, o sangue movente.
E a saudade da mudança é sempre eterna em meu peito.

Se o grito da vela é a parafina que escorre,
eu me socorro é onde quebra no rochedo a grande onda.
Confusão do mar solitário e ventania.
Tudo move e permaneço.

É do mover-se natural estar só, e parado.
Mistura é sempre Um. Amálgama é celeste.
Dou um passo, já não sou.
Reconstruo-me de água.