domingo, 30 de setembro de 2012

Último canto à Morena do Jongo




Hoje me venho despedir.
É meu último canto àquela que me fez
brilhar os olhos por tanto tempo...
Hoje eu decidi partir,
deixando livre a tua formosura, a tua tez
desvairada que me era tão alento...

Nunca mais louvarei a ti, Morena do Jongo.
Nunca mais estraçalharei meu coração
com poemas joviais e de utopia...
Tu me deste de presente um grande tombo,
uma grande queda na oscilação
das tormentas que me tiram toda a alegria...

Que tu não me amas bem o sei,
mas é sempre bom a loucura de uma invenção
porque nem só da concretude vive o homem...
Mas esse teu desprezo quase-lei,
esse asco de teus olhos que consomem,
foi deveras vil, grande facada e dilaceração.

E, muito embora por ti o coração tolo do poeta ainda palpite,
estou decidido a nunca mais sonhar com tuas saias,
a nunca mais querer o cheiro dos teus cabelos...
Minha paixão será consternada,
será o filho trancado em seu quarto por castigo,
o uivado da Tristeza por sua grande solidão...

Este é teu último poema, Morena.
Este é teu último hino, teu último louvor.
Meu último amor em forma de canção...


Para B.I.

sábado, 29 de setembro de 2012

Mais um canto

Hoje é dia de cantar.
Está tudo preparado.
Os amigos me esperam com a alegria de um pai ao filho prestes a nascer.
Levo comigo uma garrafa de poesia
e um aguardente de libido...

Tenho em meu chapéu todos os vícios do mundo.
Na gravata estão pendurados todos os demônios da noite.
E meu paletó esconde os incensos que embriagarão a todos.

Hoje é dia de canto.
Um beco, uma viela, uma rua qualquer...
Lá faremos festa, com aquelas mulheres sadias
e com os camaradas mais jovens.
Uma baixeza que só.

Cantaremos, beberemos e faremos
tudo aquilo que não nos é possível fazer.
Voltaremos para casa somente quando o Sol
começar a iluminar nossa escuridão.

E então dormiremos durante todo o dia.
Como morcegos. Como ladrões.
E continuaremos a enganar nosso espírito,
tirando ele da bela vida sensata, de mula,
aquela vida que nos faz ficar 15 anos de cama,
morrendo de falência múltipla dos órgãos...

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A vida é um caminhar

Há no mundo tantos meandros,
tantas ruas, tantas vielas,
tantos descaminhos astutos,
tantas composições feias e belas!

Há caminhos desvairados
por dentre as serras mui nebulosas...
Há palmeiras enviesadas,
leites com mel e leite de rosas.

Há as trevas e os grandes poços
mui lamacentos.
Há cidades deveras belas com grandes portos,
e há Sorrento.

Há no mundo tudo o que sabemos
e aquilo, também, que não se pode conhecer.
Há tantas infinidades,
há paixões grandiosas e mediocridades,
viveres e fenecer...

Só não há no mundo o Amor,
nem qualquer pequeno galho que dele descenda.
Pois que não há monstro que sinta saudade,
nem que do afago de algum bem dependa...

Tal é a vida do Homem,
que é no mundo apenas do nada representação...
Que é o monstro que a si próprio consome,
e que só sente fome do vazio da ostentação...

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Quando eu morrer

Quando eu morrer
não quero pastor nem padre rezando...
Chamem os curimbeiros, os ogãs e aquelas mulheres lindas e negras,
que cantam como os deuses.
- Detesto hipocrisia e preciso exaltar minhas origens.

Quando eu morrer
não quero bandeira do Brasil nem do Rio de Janeiro...
Repousem sobre meu caixão apenas duas bandeiras:
a do Colégio Pedro II e uma outra com uma foice e um martelo.
- Detesto hipocrisia e preciso exaltar o que me tornou eu mesmo.

Quando eu morrer
quero choro e velas...
Às vezes o choro é também de alegria
e é necessário um bocado de luz.
- Detesto a frieza dos homens e preciso ajudá-los com isto.

Quando eu morrer
quero, depois do sepultamento, uma festa onde eu morava.
Toquem Chico, Bethânia, Sosa, Buika, Nina e Raul.
Quanto aos sambas, toquem todos, mas só dos que prestam...
 - Detesto esse ruído do século 21 e preciso ouvir esses seres mais uma vez.

Quando eu morrer
estarei morto, certamente.
E muito me preocupa se morrerei Ser ou indigente...
Não fazer parte da História me é de muita precariedade.
- Detesto representações e preciso expor minha individualidade.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Indefinido

É curioso como me encantas.
É curioso e também bonito.
É uma sensação indefinida,
que eu não meço e nem peço,
que eu só sinto.

Quanto te apresentas e me fazes
pensar nos ares do profano,
lembro-me de tua branca pele,
desse açúcar que expeles
em nossos cantos.

Fomentas em meu corpo o desejo,
imensa luxúria que eu sei não ser permitida...
Ó branca, ó loura, ó minha loucura!
Que me escapes com toda a formosura,
que tu és impossível nesta nossa vida!

Estás com outro a amar, eu sei!
Mas quem sou eu a mandar em meu coração?!
Cativaste-me involuntariamente,
tomando-me pelo todo, atemporalmente,
mas deixando-me cá, na solidão...


Para Z.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

É, Morena...

É difícil não ceder às tentações que lhe aparecem, eu sei. Fica uma angústia pelo que poderia vir em consequência da aceitação... Mas eu também sei do quanto você é inconstante, meu camarada. E ninguém merece o sofrimento de ser feito objeto de prazer momentâneo para, em seguida, ser cuspido da mesma boca que o beijava.

De pouco em pouco a gente consegue ficar louco!

A sanidade do Homem moderno está em sua loucura. Não há poesia, não há música, não há escultura em gesso ou madeira sem a luz que oferece a saída à opacidade que se tornou a existência humana. O que há é um pseudo-caos construído à partir de uma invenção de alguém já inventado e construído. É um ciclo que finda num dos vazios que a inexistência pode oferecer. É o pseudo-caos das coisas frívolas. Porque o Caos geral, o primitivo e básico, consolidador, fundador e mantenedor de todas as coisas, é fundamental na experimentação da criação. O Caos pelo Caos é a base. O que não passa pela dita loucura é inexistente, não-é. E é só experimentando deste Caos que nós, que nada somos por sermos apenas representação e cópia daquilo que também é representação e cópia daquilo que é representação e cópia, passamos a ser algo, a instituir algo como existência propriamente dita. Daí resulta o Ser: da lambida no suor do caos, da cegueira provocado pela luz do Caos.
O Homem comum não-é, uma vez que (como já dito) é apenas imitação daquilo que é imitação.
E por todas estas coisas e também por outras que ainda hão de me vir, torço, fervorosamente, para o desabrochar de minha Razão neste mundo de sombras de sombras. Porque enquanto faço parte deste terreno somente de opiniões, vou ficando tão fedorento quando a bosta inventada por esses pseudo-seres!